quinta-feira, 24 de abril de 2014

"PROCURAM-SE ESTUDANTES" - Thomaz Wood Jr. (Revista Carta Capital – 10-Abr-2014) 

"Além do mico-leão-dourado e do lobo-guará, outro mamífero tropical parece caminhar para a extinção."
"Diz-se que uma espécie encontra-se ameaçada quando a população decresce a ponto de situá-la em condição de extinção. Tal processo é fruto da exploração econômica e do desenvolvimento material, e atinge aves e mamíferos em todo o planeta. Nos trópicos, esse pode ser o caso dos estudantes. Curiosamente, enquanto a população de alunos aumenta, a de estudantes parece diminuir. Paradoxo? Parece, mas talvez não seja. 
Aluno é aquele que atende regularmente a um curso, de qualquer nível, duração ou especialidade, com a suposta finalidade de adquirir conhecimento ou ter direito a um título. Já o estudante é um ser autônomo, que busca uma nova competência e pretende exercê-la, para o seu benefício e da sociedade. O aluno recebe. O estudante busca. Quando o sistema funciona, todos os alunos tendem a se tornar estudantes. Quando o sistema falha, eles se divorciam. É o que parece ocorrer entre nós: enquanto o número de alunos nos ensinos fundamental, médio e superior cresce, assombram-nos sinais do desaparecimento de estudantes entre as massas discentes. 
Alguns grupos de estudantes sobrevivem, aqui e acolá, preservados em escolas movidas por nobres ideais e boas práticas, verdadeiros santuários ecológicos. Sabe-se da existência de tais grupos nos mais diversos recantos do planeta: na Coreia do Sul, na Finlândia e até mesmo no Piauí. Entretanto, no mais das vezes, o que se veem são alunos, a agir como espectadores passivos de um processo no qual deveriam atuar como protagonistas, como agentes do aprendizado e do próprio destino.
Alunos entram e saem da sala de aula em bandos malemolentes, sentam-se nas carteiras escolares como no sofá de suas casas, diante da tevê, a aguardar que o show tenha início. Após 20 minutos, se tanto, vem o tédio e o sono. Incapazes de se concentrar, eles espreguiçam e bocejam. Então, recorrem ao iPhone, à internet e às mídias sociais. Mergulhados nos fragmentos comunicativos do penico digital, lambuzam-se de interrogações, exclamações e interjeições. Ali o mundo gira e o tempo voa. Saem de cena deduções matemáticas, descobertas científicas, fatos históricos e o que mais o plantonista da lousa estiver recitando. Ocupam seu lugar o resultado do futebol, o programa de quinta-feira e a praia do fim de semana.
As razões para o aumento do número de alunos são conhecidas: a expansão dos ensinos fundamental, médio e superior, ocorrida aos trancos e barrancos, nas últimas décadas. A qualidade caminhando trôpega, na sombra da quantidade. Já o processo de extinção dos estudantes suscita muitas especulações e poucas certezas. Colegas professores, frustrados e desanimados, apontam para o espírito da época: para eles, o desaparecimento dos estudantes seria o fruto amargo de uma sociedade doente, que festeja o consumismo e o prazer raso e imediato, que despreza o conhecimento e celebra a ignorância, e que prefere a imagem à substância.
Especialistas de índole crítica advogam que os estudantes estão em extinção porque a própria escola tornou-se anacrônica, tentando ainda domesticar um público do século XXI com métodos e conteúdos do século XIX. Múltiplos grupos de interesse, em ação na educação e cercanias, garantem a fossilização, resistindo a mudanças, por ideologia de outra era ou pura preguiça. Aqui e acolá, disfarçam o conservadorismo com aulas-shows, tablets e pedagogia pop. Mudam para que tudo fique como está.
Outros observadores apontam um fenômeno que pode ser a causa-raiz do processo de extinção dos estudantes: trata-se da dificuldade que os jovens de hoje enfrentam para amadurecer e desenvolver-se intelectualmente. A permissividade criou uma geração mimada, infantilizada e egocêntrica, incapaz de sair da própria pele e de transcender o próprio umbigo. São crianças eternas, a tomarem o mundo ao redor como extensão delas próprias, que não conseguem perceber o outro, mergulhar em outros sistemas de pensamento e articular novas ideias. Repetem clichês. Tomam como argumentos o que copiam e colam de entradas da Wikipédia e do que mais encontram nas primeiras linhas do Google. E criticam seus mestres, pois são incapazes de diverti-los e de fazê-los se sentir bem com eles próprios. Aprender cansa. Pensar dói."

Prezado Gilberto Canto
Tomando a liberdade de publicar neste Blog este texto acima que vc me enviou, tentei esboçar alguns comentários a respeito.
Efetivamente... nunca tinha me dado conta desta distinção que o autor faz entre aluno e estudante!
Entendo, porém, que ela é o ponto central da mensagem que ele quer passar, apesar do jogo de palavras, mesmo porque, comumente, usamos as duas palavras indistintamente (ou seria  impensadamente...!?)
Concordo com o autor na avaliação que ele faz da realidade atual da sala de aulas.
Mas, por outro lado, essa mudança de posicionamento subjetivo que faz o indivíduo passar de aluno a estudante, não seria ela a própria missão ("impossível", como dizia Freud) da educação?!... Não seria esse o próprio Ethos da Educação?!... Não seria esta a matéria-prima sobre a qual deveria agir o processo educativo?!... sobre esse aluno que deverá virar estudante autônomo e cidadão emancipado?!...
Creio que faltou autoanálise ao autor, à própria função do educador e ao lugar a partir do qual ele critica o próprio substrato da sua intencionalidade educativa!
Afinal, como pode o artista escultor criticar a pedra bruta?!...
Creio que esse é o nosso enorme desafio como educadores em tempos de Internet, redes sociais e iPhones... hummm...
Por isso é que eu sempre digo (e até mesmo me policio o tempo todo): a educação é um terreno movediço onde, a cada instante, a cada segundo, temos que repensar nossas práxis e aprender de nosso próprio discurso e do lugar a partir do qual falamos o que falamos... ou seja, a eterna diferença entre enunciados e enunciações, entre discursos e práticas! 
Freud, definitivamente, explica!
 

Abs

Fernando Hello

Um comentário:

Giba Canto disse...

Caro Fernando,

Agradeço imenso os teus ótimos comentários, que abordam aspectos que eu não havia me detido: "como pode o artista escultor criticar a pedra bruta?".

Este tema aluno x estudante estou estudando com alguns colegas professores de pós-graduação em Administração de Empresas em São Paulo e, caso o assunto avance, trocarei mais ideias contigo.

Abs, Giba Canto.