Na economia globalizada, a necessidade de conhecimento para melhorar
a competitividade das empresas carrega consigo um foco em investimentos
de pesquisa e desenvolvimento direcionados para a obtenção da inovação.
Nessa tônica, torna-se cada vez mais difícil mobilizar recursos para
investimento em pesquisa sem o retorno prático imediato. Essa questão
traz à tona a discussão que teve origem em 1945, no modelo de Vannevar
Bush, sobre a diferenciação entre pesquisas básica e aplicada como fases
distintas do processo de produção de conhecimento científico e
tecnológico. Esse modelo trata conhecimento e o uso deste como objetivos
conflitantes, sem compreender as pesquisas duplamente orientadas.
Já o modelo de Donald Stokes, de 1997, apresenta o Quadrante de
Pasteur, o qual combina a relevância da pesquisa para o conhecimento
básico e para as aplicações econômicas ou sociais imediatas, mostrando o
fluxo constante entre a teoria e a prática.
Por sua vez,
Charles Mees, em 1920, tratou a diferença entre ciência pura e aplicada
como meramente de intenção. A história corrobora o argumento com
pesquisas desenvolvidas no interesse da ciência pura que provaram ser de
grande valor para a indústria. Foi assim no caso de Ada Yonath, Prêmio
Nobel de Química em 2009, que lutou contra a descrença da comunidade
científica até conseguir desvendar a estrutura do ribossomo. Esse
conhecimento contribui hoje para a elucidação da ação dos antibióticos,
além de ter motivado outras pesquisas. Artur Ávila, ganhador da Medalha
Fields de 2014, ilustra de forma bem-humorada a busca pela
aplicabilidade da pesquisa. Ele pede que imaginemos um babilônio
pleiteando verbas para pesquisar números primos, justificando que o
propósito é a criptografia, a ser usada 5.000 anos depois para pagamento
de contas com cartão de crédito!
Assim,
no discurso que tem como foco a inovação, é necessária cautela para não
transformar objetivos em jargões marqueteiros que dificilmente serão
atingidos. Reconhecer que a importância da pesquisa científica continua
sendo responder às questões que desafiam o conhecimento existente e que
os progressos vivenciados pela humanidade não teriam ocorrido se fossem
orientados apenas por demandas do setor produtivo é o primeiro passo
para uma modificação da lógica de financiamento.
Obviamente, o
aumento crescente dos pedidos de patente demonstra que a transformação
de novos e relevantes conhecimentos em possibilidades de aplicações
práticas é possível e desejável. Para o setor empresarial, esse avanço
tecnológico se traduz em ganhos de produtividade e competitividade.
Entretanto, é preciso aceitar que essa transformação advém de uma base
sólida de conhecimentos acumulados. Essa lógica foi apresentada pelos
economistas Wesley Cohen e Daniel Levinthal, em 1990, mostrando que a
capacidade de desenvolver produtos e processos inovadores depende do
conjunto de conhecimentos prévios.
As inovações estão associadas
às incertezas e aos riscos do pioneirismo e nem sempre serão demandadas
pelo mercado. Mais importante que determinar se a pesquisa será útil
para o avanço científico e tecnológico, ou para a mitigação de problemas
sociais e econômicos, é certificar-se de que ela será útil na sua
essência, ou seja, que resultará na refutação ou aceitação de novos
pressupostos que fundamentarão os avanços.
O caminho para a
inovação passa necessariamente pela descoberta de novos fundamentos,
portanto é irrevogável o apoio à pesquisa, mesmo sem o vislumbre de sua
imediata aplicação prática.
[https://www.embrapa.br/en/xxi-ciencia-para-a-vida/busca-de-noticias/-/noticia/8504751/artigo---pensando-ciencia-repensando-inovacao. Acesso em 05 fevereiro 2016]
*Ester Gomide é analista da Embrapa Gado de Leite
**Evaldo Vilela é professor titular da Universidade Federal de Viçosa, presidente da Fapemig e membro da Academia Brasileira de Ciências.
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